A nova lei que permite a infiltração de agentes na investigação criminal

Coluna Processo Penal em Foco

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Infiltração investigativa

O Capítulo III do Título VI da Parte Especial da Lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, passou a vigorar acrescido da Seção V-A, a partir de uma modificação trazida pela Lei nº. 13.441/17, cuja vigência deu-se na data da sua publicação no Diário Oficial da União, dia 09 de maio.

É a seguinte a epígrafe da seção acrescentada ao Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Da Infiltração de Agentes de Polícia para a Investigação de Crimes contra a Dignidade Sexual de Criança e de Adolescente.”

Doravante, será possível a infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar, exclusivamente, os seguintes crimes:

1) Art. 154-A do Código Penal: “Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.“

2) Art. 217-A do Código Penal: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.”

3) Art. 218 do Código Penal: “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem.“

4) Art. 218-A do Código Penal: “Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem.”

5) Art. 218-B do Código Penal: “Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone.”

6) Art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente.”

7) Art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.”

8) Art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.”

9) Art. 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.”

10) Art. 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.”

11) Art. 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso.”

Ressalte-se que tal tarefa exclui a participação de agentes de inteligência, sejam das Forças Armadas, das Polícias Militares estaduais, ou mesmo os da Agência Brasileira de Inteligência.[1]

Importante destacar também que a infiltração de agentes já estava prevista no art. 53, I da Lei nº. 11.343/2006 (Lei de Drogas) e no art. 10 da Lei nº. 12.850/2013 (a chamada Lei das Organizações Criminosas).[2]

É o também chamado agente encoberto, que pode ser conceituado como um “funcionario policial o de las fuerzas de seguridad que hace una investigación dentro de una organización criminal, muchas veces, bajo una identidad modificada, a fin de tomar conocimiento de la comisión de delitos, su preparación e informar sobre dichas circunstancias para así proceder a su descubrimiento, e algunos casos se encuentra autorizado también a participar de la actividad ilícita.”[3]

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Exemplos de fora

Vários são os países que adotam a figura do agente infiltrado, por exemplo:

1) Portugal: Lei nº. 101/2001, exigindo-se observância ao princípio da proporcionalidade.

2) Argentina: “si las finalidades de la investigación no pudieran ser logradas de outro modo – Lei nº. 24.424/94, prevendo-se, também, uma escusa absolutória para o agente infiltrado que vier a praticar, nesta condição, um delito, salvo se o crime colocar em grave risco a vida ou integridade física de uma pessoa ou impuser grave sofrimento físico ou moral a outrem.

3) Alemanha, desde 1992.

4) França: art. 706-32 do Code de Procédure Pénale.

5) México: Ley Federal contra la Delicuencia Organizada de 1996.

6) Chile: Lei nº. 19.366/95.

7) Espanha: Ley de Enjuiciamento Criminal – art. 282 – bis.

Condições e apontamentos

Este ato investigatório precederá, necessariamente (princípio da reserva de jurisdição), de autorização judicial devidamente circunstanciada e fundamentada, que estabelecerá os limites da infiltração para obtenção de prova. Como mero ato investigatório, evidentemente, não servirá, adiante, como meio de prova, pois não foi produzido com as garantias do devido processo legal, especialmente o contraditório e a ampla defesa, não sendo o caso de nenhuma das hipóteses previstas na parte final do art. 155 do Código de Processo Penal.

Por força do disposto na lei, a ouvida do Ministério Público é indispensável. Portanto, em caso de representação feita pela autoridade policial, nula será a decisão judicial que autorize a infiltração sem o parecer do Ministério Público.

Não admitimos, outrossim, que seja o ato investigatório decretado de ofício pelo Juiz, não se aplicando, neste caso, o disposto no art. 156, I do Código de Processo Penal, pois, como dito acima, de prova não se trata.

Aliás, a própria lei estabelece que a infiltração “dar-se-á mediante requerimento do Ministério Público ou representação de delegado de polícia e conterá a demonstração de sua necessidade, o alcance das tarefas dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais[4] que permitam a identificação dessas pessoas.”

Destarte, na decisão, o Juiz deverá demonstrar a absoluta necessidade da medida, ou seja, que não há outros meios disponíveis para a respectiva investigação. Nesse sentido, a lei também é expressa: “a infiltração de agentes de polícia na internet não será admitida se a prova (sic) puder ser obtida por outros meios.” Trata-se, em definitivo, de meio excepcional de investigação criminal, tal como ocorre com as interceptações telefônicas (art. 2º., II da Lei nº. 9.296/96).

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A infiltração não poderá exceder o prazo de noventa dias, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que o total não exceda a setecentos e vinte dias e seja demonstrada sua efetiva necessidade, a critério da autoridade judicial. Aqui, repete-se o que afirmamos no parágrafo anterior sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade-necessidade.

No período da realização da diligência, “a autoridade judicial e o Ministério Público poderão requisitar relatórios parciais da operação de infiltração“, mesmo antes do término do prazo acima referido.

Absoluto sigilo

Obviamente, trata-se de uma operação policial absolutamente sigilosa, razão pela qual “as informações da operação de infiltração serão encaminhadas diretamente ao juiz responsável pela autorização da medida, que zelará por seu sigilo. Antes da conclusão da operação, o acesso aos autos será reservado ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia responsável pela operação, com o objetivo de garantir o sigilo das investigações.” Este procedimento deverá ser “numerado e tombado em livro específico.”

Por estar acobertado pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal, evidentemente que “não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade” dos crimes acima indicados, salvo se “deixar de observar a estrita finalidade da investigação“, caso em que “responderá pelos excessos praticados.” Neste caso, permite a lei que os órgãos de registro e cadastro público incluam “nos bancos de dados próprios, mediante procedimento sigiloso e requisição da autoridade judicial, as informações necessárias à efetividade da identidade fictícia criada.”

A propósito, na Lei nº. 12.850/2013, considera-se “não punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa, que excluirá a culpabilidade e, por conseguinte, a existência de crime.” Aqui, considerou-se haver uma causa excludente da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa).

Segundo a lei, “concluída a investigação, todos os atos eletrônicos praticados durante a operação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz e ao Ministério Público, juntamente com relatório circunstanciado.” Tais atos, deverão ser “reunidos em autos apartados e apensados ao processo criminal juntamente com o inquérito policial, assegurando-se a preservação da identidade do agente policial infiltrado e a intimidade das crianças e dos adolescentes envolvidos.”

Conclusão

A título de conclusão, esperamos que a lei represente, efetivamente, um avanço por possibilitar “especialmente a busca em bancos de dados, na internet e em redes sociais, de informações de grupos ou criminosos ainda não identificados”.[5]

Notas e Referências

[1] A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) é um órgão da Presidência da República, vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional, responsável por fornecer ao presidente da República e a seus ministros informações e análises estratégicas, oportunas e confiáveis, necessárias ao processo de decisão. Na condição de órgão central de um sistema que reúne 38 integrantes – o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) –, a ABIN tem por missão assegurar que o Executivo Federal tenha acesso a conhecimentos relativos à segurança do Estado e da sociedade, como os que envolvem defesa externa, relações exteriores, segurança interna, desenvolvimento socioeconômico e desenvolvimento científico-tecnológico. (Fonte: http://www.abin.gov.br/institucional/a-abin/, acessado no dia 10 de maio de 2017). A propósito, lembremos que “a 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou todos os procedimentos decorrentes da Operação da Satiagraha da Polícia Federal, inclusive a condenação do banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa. Por três votos a dois, o Superior Tribunal de Justiça considerou que a atuação da Agência Brasileira de Inteligência na operação da Polícia Federal violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal. O relator do caso, o Desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Adilson Macabu, entendeu que a atuação dos agentes da Agência Brasileira de Inteligência extrapolou as atribuições legais da agência criada para assessorar a Presidência da República, e aconteceu de forma clandestina. Agentes da agência de inteligência da Presidência foram convocados informalmente para participar das investigações pelo então delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, que dirigia a operação. (…) De acordo com o Ministro Jorge Mussi, que deu o voto de desempate no caso, ´não é possível que arremedos de provas colhidas de forma impalpável possam levar à condenação. Coitado do país em que seus filhos possam vir a ser condenados com provas colhidas na ilegalidade.`” (Habeas Corpus nº. 149.250). A decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.
[2] Veja-se esta notícia publicada na edição do dia 21/07/2006 do jornal Folha de São Paulo: “PF infiltra agente em cela e flagra operações de Beira-Mar na cadeia – Uma semana antes de se tornar o primeiro detento da penitenciária de Catanduvas (PR), o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, aguardava ansioso a entrega de 250 quilos de drogas à favela que leva seu nome em Duque de Caxias (RJ). Ordenava e acompanhava o processo por um telefone celular. Mas o aparelho estava grampeado. E, durante todo o tempo, a Polícia Federal monitorava qual o poder de fogo do traficante, detido há cerca de cinco anos. A história começou há alguns meses, quando a própria PF “forneceu” o celular a Beira-Mar, na carceragem de Brasília. A “operação” se baseava em ludibriar o traficante. Para isso, encenou-se a prisão de um agente da PF na mesma área de Beira-Mar. O agente levava um celular e não o ofereceu ao traficante, pois isso configuraria crime. Segundo a PF, Beira-Mar teria tomado o aparelho do agente e dado início a mais uma etapa de operações. Com base nas investigações, o Ministério da Justiça convenceu a Justiça Federal de Curitiba a autorizar a transferência do traficante para Catanduvas. Mesmo preso na PF, Beira-Mar ainda tinha força no crime organizado do Rio. Prestígio cada vez menor, segundo a PF. Os resquícios de poder do traficante apenas se justificam por dinheiro e ativos que o órgão ainda não conseguiu rastrear totalmente.”
[3] Claúdia B. Moscato de Santamaría, “El Agente Encubierto”, Buenos Aires: La Ley, 2000, p. 1. Nesta excelente monografia sobre o assunto, a autora portenha distingue claramente o agente encoberto de outras figuras afins, como os informantes (não policiais), arrependidos (criminosos delatores) e os agentes provocadores (policiais que instigam outrem a praticar o delito).
[4] A lei considera como dados de conexão as “informações referentes a hora, data, início, término, duração, endereço de Protocolo de Internet (IP) utilizado e terminal de origem da conexão.” Já dados cadastrais, são as “informações referentes a nome e endereço de assinante ou de usuário registrado ou autenticado para a conexão a quem endereço de IP, identificação de usuário ou código de acesso tenha sido atribuído no momento da conexão.”
[5] Alexandre Zavaglia Coelho, Professor da Faculdade de Direito do IDP São Paulo e um dos coordenadores do grupo de estudos sobre inteligência artificial a serviço da investigação: http://www.conjur.com.br/2017-mai-09/lei-libera-infiltracao-policial-internet-investigar-pedofilia, acessado dia 10 de maio de 2017.

 

Rômulo de Andrade MoreiraRômulo de Andrade Moreira é Articulista do Estado de Direito – Procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS.

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